PF cumpre 15 mandatos de busca e apreensão contra ex-executivos da companhia. Fachada das Lojas Americanas em Franca, no interior de SP.
IGOR DO VALE/ESTADÃO CONTEÚDO
Na manhã desta quinta-feira (27) uma operação da Polícia Federal (PF) deu início a um novo capítulo da história sobre a fraude contábil de mais de R$ 25 bilhões que resultou na recuperação judicial da Americanas – a maior vista no Brasil na atualidade, com uma dívida estimada em quase R$ 50,9 bilhões.
No Rio de Janeiro, agentes da PF cumprem 15 mandatos de busca e apreensão contra ex-excutivos da companhia, além de pedir a prisão preventiva e determinar a inclusão dos nomes de Miguel Gutierrez, ex-CEO da empresa, e Anna Christina Ramos Saicali, uma de suas diretoras, na lista de mais procurados do mundo da Interpol, já que os dois estão no exterior.
Segundo a investigação, todos esses executivos estavam envolvidos na fraude, que maquiou os resultados financeiros da Americanas para demonstrar um falso aumento de caixa que valorizava artificialmente as ações da companhia na bolsa de valores brasileira, a B3.
Em nota, a Americanas disse que “reitera sua confiança nas autoridades que investigam o caso e reforça que foi vítima de uma fraude de resultados pela sua antiga diretoria, que manipulou dolosamente os controles internos existentes. A Americanas acredita na Justiça e aguarda a conclusão das investigações para responsabilizar judicialmente todos os envolvidos”.
O funcionamento da fraude
De acordo com a PF, a maquiagem dos números foi detectada, até agora, em operações de risco sacado e verba de propagando cooperada (VPC).
Risco sacado é uma operação muito comum entre companhia, principalmente do setor de varejo. O analista de investimentos Vitor Miziara explica que essa prática consiste em repassar dívidas com fornecedores para bancos, fundos ou outras instituições financeiras.
“Quando você tem uma dívida com um fornecedor, no risco sacado, você repassa essa dívida para uma instituição financeira, que vai pagar direto para o fornecedor, e então você fica devendo para a instituição para liberar créditos novos com o fornecedor. Aí a instituição alonga o prazo dessa dívida e você paga o valor em mais tempo”, explica o analista.
No entanto, no caso da Americanas, as dívidas que eram repassadas por meio do risco sacado eram retiradas do balanço corporativo da empresa. Ou seja, as acusações são de que os executivos retiravam o valor das dívidas com fornecedores, como se elas já tivessem sido pagas, mas não sinalizavam que a dívida agora era com uma instituição financeira.
“Em vez de somar uma dívida aos valores devidos aos bancos na contabilidade, a empresa apenas subtraia do que era devido aos fornecedores, como se a dívida já tivesse sido completamente resolvida”, comenta Miziara.
Já as VPCs são incentivos comerciais comuns no varejos. Nele, a empresa varejista faz propagandas oferecendo os produtos de seus fornecedores – que, quando são vendidos, resultam num desconto do valor que é devido pela companhia.
Porém, a investigação da PF aponta que eram contabilizadas nos balanços da empresa VPCs que nunca existiram ou que tiveram seus valores inflados.
Com os números manipulados e fraudulentos, os executivos recebiam altos bônus por um desempenho que era falso, além de conseguir lucros na venda das ações.
A PF identificou os crimes de manipulação de mercado, uso de informação privilegiada, associação criminosa e lavagem de dinheiros, o que pode gerar uma pena de até 26 anos de prisão, caso os investigados sejam condenados.
Relembre mais detalhes do caso Americanas
A gigante varejista Americanas informou um rombo contábil bilionário no dia 11 de janeiro. Naquele momento, a companhia disse que havia identificado “inconsistências em lançamentos contábeis” nos balanços corporativos no valor de quase R$ 20 bilhões.
Sergio Rial, então presidente da empresa que assumiu após a saída de Miguel, decidiu deixar o comando do negócio após apenas nove dias no comando e os investidores — pessoa física e institucionais — iniciaram uma corrida para se desfazer dos papéis. Isso fez com que as ações da companhia despencassem quase 80% em um único dia, e a fuga continuou nos pregões seguintes.
Em uma conferência após sua demissão, Rial disse “a primeira grande conclusão é que não estamos falando de um número que está fora do balanço. Só que ele não está registrado de forma apropriada ao longo dos últimos anos”, disse.
No dia 19 de janeiro, a Americanas pediu a recuperação judicial na Justiça do Rio de Janeiro e teve suas ações retiradas da B3. A primeira versão do plano de recuperação foi apresentada em março, mas a empresa só teve um plano aprovado no último dia 19 de dezembro, exatamente 11 meses depois.
A dívida final apresentada no plano foi de mais de R$ 50 bilhões, sendo uma dívida trabalhista de R$ 82,9 milhões e uma fraude de resultado de R$ 25,2 bilhões ao final de 2022, e o processo de recuperação envolverá um aporte de R$ 12 bilhões dos “acionistas de referências — o trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Herrmann Telles.
A recuperação também envolverá a venda de ativos, inicialmente o Hortifruti Natural da Terra e a Uni.Co (empresa de franquias das marcas Imaginarium e Puket).
As maiores recuperações judiciais do Brasil atualmente
Um levantamento da plataforma de pesquisas para o mercado financeiro Quantum Finance mostra que o valor da dívida envolvida na recuperação judicial da Americanas é o maior do Brasil em andamento.
Veja a lista dos 10 maiores valores de recuperações judiciais do Brasil na atualidade:
Americanas: R$ 50,87 bilhões
Oi: R$ 50,61 bilhões
Light: R$ 16,76 bilhões
OSX Brasil: R$ 8,5 bilhões
Paranapanema: R$ R$ 5,2 bilhões
Coteminas: R$ 2,46 bilhões
Springs: R$ 2,19 bilhões
Renova: R$ 1,7 bilhões
João Fortes: R$ 1,5 bilhões
Teka: R$ 1,2 bilhões
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